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Moratória de pesca pode reduzir as ameaças aos botos da Amazônia

  • Publicado: Domingo, 25 de Maio de 2014, 20h00
  • Última atualização em Terça, 14 de Abril de 2015, 11h29

 

Novas regras para a pesca foram assinadas na última quinta-feira, em solenidade alusiva ao Dia da Biodiversidade, pelos ministros da Pesca e Agricultura e Meio Ambiente

Por Séfora Antela – Ascom Ampa

Foto: Doug Allan

Com o objetivo de reduzir a matança de botos e jacarés, usados como isca para atrair cardumes de piracatinga (Callophysus macropterus), uma decisão interministerial da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente decretou a moratória de cinco anos para a pesca da piracatinga, um peixe liso conhecido como urubu d’água, na região amazônica. A moratória entra em vigor a partir de janeiro de 2015.

O decreto foi assinado na última quinta-feira pelo ministro da Pesca e Aquicultura, Eduardo Lopes, em conjunto com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Os dois Órgãos vão estudar alternativas para a retomada da pescaria, futuramente. A moratória ampara a pesca de subsistência. O pescador poderá capturar até cinco quilos de piracatinga, por dia, para consumo.

Para o diretor-executivo da Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa), Jone César Silva, a decisão é uma vitória para Ampa, para todas as instituições parceiras e, principalmente, para os botos. “Conseguimos deixar claro para estes ministérios as consequências da pesca da piracatinga sobre a população de botos-vermelhos, nos últimos anos. Vamos utilizar estes cinco anos para realizar novos estudos sobre a viabilidade populacional dos animais, pesquisa com iscas alternativas para pesca da piracatinga e estudos sobre os conflitos que existem entre o homem e o boto-vermelho”, comemora Silva.

A Ampa é uma organização não-governamental que recebe incentivos da Petrobras e visa promover atividades de proteção, conservação, pesquisa e manejo dos mamíferos aquáticos da Amazônia.

Um pouco da história

Estudos apontam que a mortalidade decorrente de interações com atividades de pesca tem se tornado uma ameaça em toda distribuição do boto-vermelho (Inia geoffrensis), que está classificado como "Dados Insuficientes" pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN – sigla em inglês) e aparece no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. O número de registros de mortes causadas por emalhe acidental em redes de pesca e por agressão intencional por parte de moradores locais tem crescido no decorrer dos anos.

De acordo com registros do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) e da Ampa, desde 2000, o boto-vermelho é morto para servir como isca para a pesca da piracatinga. A pesquisa apontou que 10% da população de boto-vermelho, estudada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, vêm diminuindo todo ano.

Desde então, os esforços para cessar essa prática ilegal começaram. Em 2011, foi criado, pela Ampa e pelo InpaI, um dossiê denominado Alerta Vermelho para servir como documento oficial de relato da problemática dos botos da Amazônia.  

“Nós não podemos como ser humanos ser tão arrogantes a ponto de achar que nós temos o direito de exterminar animais do planeta terra. Por outro lado, quando a gente extingue uma espécie ou elimina uma área, a humanidade vai ficando cada vez mais pobre. Então, nós estamos empobrecendo nosso próprio patrimônio: a riqueza natural que a gente tem. É uma espécie única, se ela for morta ela vai desaparecer para sempre, não tem como repor”, ressalta a pesquisadora, que é chefe do Laboratório de Mamíferos aquáticos do Inpa e conselheira da Ampa, Vera Maria da Silva.

Em 2012, o Ministério Público toma conhecimento do problema, por meio de denúncias. A partir de junho, do mesmo ano, instaurou-se inquérito civil público para investigar a prática de matança de botos-vermelhos para servirem como isca por pescadores.

“O inquérito civil, no âmbito do Ministério Público, teve início a partir de uma representação de um cidadão enunciado que os botos estariam sendo utilizados como isca para a pesca da piracatinga. Depois disto, diligências foram realizadas no bojo do inquérito, e fizemos uma audiência pública onde recolhermos várias informações, dados, subsídios, para que pudéssemos continuar com a nossa apuração. E a partir daí o Ministério Público identificou que existe uma cadeia produtiva que inicia com a caça do boto ou com a obtenção de outra isca e termina na comercialização, no varejo. E ocorre que vemos várias irregularidades em cada elo desta cadeia”, explicou o procurador da república, Rafael Rocha.

Estudos sobre a matança

Segundo a pesquisadora do Instituto Piagaçu, Sannie Brum, que atua em parceria com a Ampa e Inpa, em estudo realizado para caracterizar a pesca da piracatinga e mapear áreas de captura de botos na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus (RDS-PP), a mortalidade dos botos varia desde alguns indivíduos, utilizados esporadicamente para essa prática por pescadores ribeirinhos, até centenas, já utilizados pelos barcos pesqueiros que frequentam a região.

“Durante expedições para a reserva, é comum observar barcos que pescam a piracatinga e matam botos, com relatos de até 40 indivíduos, sendo capturados em redes, em um único evento para obtenção de iscas”, ressaltou Brum.

Conforme Brum, em junho deste ano, no município de Tapauá (acima da RDS-PP, distante 450 km de Manaus), foi encontrada uma embarcação com 20 carcaças de botos esquartejados provavelmente para serem utilizados como isca. “Além desses, também temos informações que barcos de pesca estiveram nos rios Tapauá e Cuniuá (afluentes do rio Purus), mostrando que esta atividade acontece em boa parte da bacia do Purus”, revelou.

Ainda conforme os estudos de Brum, a estimativa de mortalidade do boto-vermelho varia entre 67 a 2.500 animais por ano para suprir a produção de piracatinga da área metropolitana de Manaus e a fiscalização para essa prática é um desafio para os órgãos competentes. “Os petrechos de pesca da piracatinga variam. Na RDS-PP e nos municípios próximos, como Manacapuru, utiliza-se principalmente o curral, feito com telas tipo ‘mosquiteiro’. Eles são extremamente fáceis de transportar e esconder. Eu já vi embarcações utilizando currais de 30 metros quadrados. Já as caixas de madeira, utilizadas no Médio Solimões, são mais aparentes, sinalizando logo a pesca da piracatinga”, contou.

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