Floresta Amazônica pode estar aquecendo o clima global, diz estudo com participação do Inpa
Perdas contínuas da Amazônia intensificam a mudança climática e estão levando provavelmente ao aquecimento do clima, que causará mais prejuízos para a região e o mundo
Da Redação – National Geographic e Inpa*
Fotos: Fernanda Farias, Mario Cohn-Haft e Philip Fearnside – Acervo Inpa
A maior floresta tropical do mundo está perdendo a sua capacidade de fornecer um serviço climático gigantesco, como era de esperar. Em vez disso, a Floresta Amazônica pode estar aquecendo a atmosfera global no lugar de resfriá-la. É o que aponta o estudo de uma equipe internacional de mais de 30 autores, incluindo pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), que oferece uma abrangente avaliação dos efeitos da Floresta Amazônica, incluindo a sua degradação por fogo e outros processos, no clima global até o momento, e foi publicado recentemente no periódico suíço Frontiers in Forests and Global Change.
O artigo Carbono e além: a biogeoquímica do clima em uma Amazônia em rápida mudança (Carbon and Beyond: The Biogeochemistry of Climate in a Rapidly Changing Amazon) revisa os impactos relacionados ao desmatamento e à perda da floresta no bioma no dióxido de carbono CO2, além de investigar vários agentes de mudança menos reconhecidos, incluindo os outros gases de efeito estufa, como metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), carbono negro de incêndios, compostos orgânicos voláteis biogênicos, aerossóis, ozônio e a soma da evaporação da água, do solo e da transpiração das plantas.
A extensa avaliação do efeito líquido da região amazônica destaca que a Amazônia está provavelmente aquecendo o clima e sua perda contínua causará mais prejuízos não somente para a região, mas também para o mundo. “Olhamos todo o sistema ambiental da Amazônia, tentando considerar mais do que apenas o dióxido de carbono”, disse Kris Covey, autor principal e professor visitante de estudos e ciências ambientais na Skidmore College (EUA). “Ao avaliar o impacto combinado desses fatores, pela primeira vez, ficou claro que a Amazônia não está proporcionando o benefício climático que esperamos da maior floresta tropical”.
De acordo com o pesquisador do Inpa, Philip Fearnside, a Amazônia tem uma grande variedade de efeitos sobre o aquecimento global, e o efeito líquido é o saldo de todos os impactos negativos e positivos em termos de aquecimento global. “O trabalho mostra que o efeito líquido da região é negativo, já que os efeitos benéficos têm diminuído e as emissões que causam o efeito estufa aumentaram, incluindo alguns impactos até agora pouco conhecidos, como a emissão de metano pela floresta”.
Os efeitos positivos da Floresta Amazônica incluem a absorção de carbono pela floresta em pé, que é um benefício que tem diminuído bastante ao longo dos últimos anos e funcionava como um “freio” ao processo de aquecimento global. Também há reabsorção de carbono pelo crescimento de florestas secundárias, nas áreas já desmatadas. Por outro lado, há impactos sobre a emissão de carbono pelo desmatamento e pela degradação da floresta por exploração madeireira, mortalidade de árvores em eventos climáticos extremos, como secas, tufões e inundações, e há emissões da própria floresta e das áreas inundadas naturalmente e por hidrelétricas.
“Essas emissões incluem o metano, um gás com muito mais impacto por tonelada que o dióxido de carbono. Há vários outros gases além de CO2 que são emitidos por queimadas e outros processos na região. Outras mudanças, como a refletância (albedo) da paisagem, também mudaram para o pior”, explica o pesquisador do Inpa.
Fearnside tem atuado na quantificação das emissões de diferentes gases pelo desmatamento e pelas hidrelétricas, além de estudos sobre emissões de solos, incêndios e diversas formas de degradação. Também tem contribuído na parte teórica na interpretação dos impactos dos diferentes gases dependendo do horizonte temporal, que é algo importante neste estudo.
Do Inpa, também assinam o artigo a pesquisadora Rita Mesquita, atual coordenadora de Extensão e especialista em florestas secundárias, que têm um papel importante na absorção de carbono, e o secretário executivo do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), José Luís Camargo. O PDBFF, que hoje é um Grupo de Pesquisa do Inpa, é um projeto que existe há mais de 40 anos e gera dados importantes sobre a degradação da floresta por efeitos de borda e fragmentação.
“Os estudos do Inpa têm contribuído para o avanço do conhecimento sobre o papel da Amazônia na mudança climática, mas cada estudo, incluindo este, também mostra o quanto mais ainda precisamos estudar e como o tempo é curto para tomar ações para reverter as perdas ambientais em curso”, destacou Fearnside.
Revisão de publicações
O artigo resultou de uma reunião especial organizada pela National Geographic Society em parceria com a Rolex em Manaus, Brasil, em julho de 2019. Os principais pesquisadores da Amazônia se reuniram para revisar e sintetizar décadas de literatura publicada e dados sobre os catalisadores da mudança ressurgente na Amazônia - de motivadores sociais cada vez mais preocupantes, como desmatamento agrícola, desenvolvimento de energia hidrelétrica e mineração, até incêndios florestais e tempestades cada vez mais graves - e suas implicações mais amplas nos sistemas climáticos regionais e globais.
“Nossa pesquisa mostrou que existem muitas diferenças e ameaças em toda a Bacia Amazônia. Mais estudos serão necessários em toda a bacia, desde a nascente até o mar. Ainda temos pouca compreensão do poder dos manguezais em capturar carbono na região, por exemplo”, disse o professor associado do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo, Ângelo Fraga Bernardino.
A Bacia Amazônica contém a maior floresta tropical do mundo, o que representa mais de 60% das florestas tropicais remanescentes do planeta. Na Bacia Amazônica, dezenas de milhões de pessoas dependem de serviços proporcionados pela Floresta Amazônica, que é lar para mais espécies de plantas e animais do que qualquer outro ecossistema terrestre do planeta.
“A Amazônia não pode mais armazenar o dióxido de carbono que o mundo está produzindo e não pode compensar nossos graves erros”, disse Tom Lovejoy, pesquisador sênior de biodiversidade e ciência ambiental, Fundação das Nações Unidas. “Precisamos que a Amazônia volte aos trilhos. Desmatamento e degradação precisam parar. É imperativo que protejamos a Amazônia para o seu próprio benefício e o de todo o planeta”, afirmou.
Florestas secundárias
De acordo com Rita Mesquita, ainda há um entendimento limitado sobre o papel das florestas secundárias com relação a outros gases. Porém, já se conhece bem sobre o acúmulo de biomassa e o carbono que se fixa nela. A biomassa das árvores da Floresta Amazônica é o peso da matéria seca por área (geralmente toneladas por área), e entram todos elementos, como fósforo, nitrogênio, cálcio e carbono. Cerca de 50% da biomassa seca é carbono.
Mesquita chama a atenção para a necessidade de se conservar as florestas maduras, já que não há garantias de que a vegetação secundária irá trazer de volta o sistema ecológico, em toda a sua complexidade. O histórico prévio de uso das áreas – como pastagem, cultivo agrícola, desmatamento, queimadas - antes delas serem abandonadas causa um forte efeito sobre o processo sucessional e a capacidade de recuperação de áreas alteradas.
“Quanto mais forte for o impacto, mais lentamente a vegetação secundária irá recuperar a biomassa, a biodiversidade e os serviços ambientais perdidos. Portanto, há motivo para grande preocupação com o que estamos fazendo com a floresta madura, pois até o momento nossos estudos mostram que a recuperação é lenta, depende das fontes de propágulos, e não tem sido suficiente para contrabalançar as emissões com a queima da floresta”, alerta Mesquita.
As principais descobertas incluem:
- Incerteza considerável nos efeitos diretos e indiretos da Amazônia sobre o clima global, e incerteza ainda maior na resposta desses feedbacks climáticos às mudanças no uso da terra e à degradação de florestas.
- Apesar dessas incertezas, após considerar o impacto de um conjunto mais amplo de feedbacks biofísicos - da floresta e do clima - (ou seja, dióxido de carbono, mas também metano, óxido nitroso, albedo, evapotranspiração, compostos orgânicos voláteis biológicos, ozônio e aerossóis), conclui-se, pela primeira vez, que o efeito líquido mais provável da Floresta Amazônica é o aquecimento global.
- Este efeito de aquecimento líquido é conduzido em grande parte pelas emissões de óxido nitroso (N2O), carbono negro de incêndios e metano (CH4) da Floresta Amazônica, que parecem dominar o efeito do resfriamento atmosférico do sequestro de carbono da floresta.
- O sumidouro líquido anual de carbono da Bacia Amazônica vem diminuindo há algum tempo e as forças políticas e sociais que estimulam a perda de florestas estão se acelerando. As respostas climáticas biofísicas que seguem essas mudanças sugerem que a contínua conversão da floresta provavelmente aumentará o aquecimento atmosférico no futuro.
- Dada a grande contribuição de feedbacks climáticos menos reconhecidos (por exemplo, árvores amazônicas vivas emitem diretamente ~ 3,5% de todo o metano [CH4] emitido para a atmosfera global), a continuação do foco no carbono florestal sozinho é incompatível com os genuínos esforços para entender e gerenciar as mudanças climáticas globais na Bacia Amazônica.
*Colaboração – Comunicação do Inpa
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