Árvore com maior folha do mundo ganha identificação botânica
Por falta de flores e frutos, pesquisadores levaram quase quatro décadas para descrever uma nova espécie do gênero Coccoloba da Amazônia, de árvores com folhas gigantes que podem chegar a 2,50 metros de altura no habitat natural. De características únicas, a imensa folha de Coccoloba gigantifolia pode ser vista na Casa da Ciência, no Bosque da Ciência do Inpa e no hall de entrada do Herbário do Instituto.
Por Wérica Lima (texto e fotos) –Inpa
Visualizada primeiramente por botânicos em 1982 durante uma expedição ao rio Canumã, Rondônia, durante o Projeto Flora Amazônica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC), uma espécie de árvore conhecida por ter a maior folha do mundo ganha identificação botânica e é apresentada à comunidade científica como Coccoloba gigantifolia. O trabalho foi publicado na revista Acta Amazonica, tendo como autores a especialista no gênero Coccoloba e professora da Universidade Estadual de Feira de Santana, Efigênia Melo, e os pesquisadores do Inpa Carlos Alberto Cid Ferreira e Rogério Gribel.
Após dificuldades de coleta de material reprodutivo (flores e frutos) nos primeiros anos da descoberta, Cid Ferreira e Rogério Gribel encontraram sementes da espécie na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, no ano 2005. A germinação e produção de mudas foi feita na então Coordenação de Ciências Agronômicas do Inpa, pelo agrônomo Sidney Alberto do Nascimento Ferreira.
Algumas mudas foram plantadas no campus do Inpa, em Manaus. Após a longa espera de 13 anos, uma das plantas floriu e frutificou em 2018, o que permitiu fechar o ciclo para a identificação da espécie. “Nunca poderíamos descrever a espécie sem flor e sem fruto, por isso que demorou tanto. A planta do campus do Inpa floresceu e frutificou aos 13 anos”, explicam os autores.
Chegando a 2,50 metros de altura e 1,44 m de largura na fase adulta, a folha da Coccoloba gigantifolia entrou em 1997 para o Guinness Book como a maior folha dicotiledônea já registrada, marca que permanece até hoje. O nome gigantifolia é dado com base nas dimensões da folha, consideradas fora dos padrões na botânica para plantas da classe das Dicotiledonea (angiospermas que possuem dois cotilédones na semente), onde estão incluídas a quase totalidade de espécies de árvores contemporâneas.
Ameaças e conservação
Apesar de ser reconhecida por fotos e exposições presentes no acervo do Bosque da Ciência no Inpa, esta espécie de Coccoloba não possuía registro na flora do Brasil devido à falta de descrição botânica, o que impossibilitava seu reconhecimento formal pela Ciência.
“Uma planta sem identificação é como ser humano sem certidão de nascimento, que existe mas não é reconhecido formalmente. Até recentemente ela não era incluída no grande projeto “Flora do Brasil OnLine 2020”, apesar de ser conhecida pelos botânicos e pelo público como Coccoloba, pois não tinha um nome. Da mesma forma, não poderíamos antes elaborar uma estratégia de conservação”, explica o pesquisador Rogério Gribel.
Ornamentar praças e parques, são ideias para uso da Coccolobagigantifolia, que segundo os pesquisadores é uma planta com significativas características ornamentais.
“Outros estudos poderão ser feitos com a espécie, como por exemplo, a anatomia e morfologia foliar, saber quem poliniza, o potencial econômico ornamental que seria uma atração da região, entre outros, além de saber se os frutos, que são saborosos, têm potencial para serem utilizados na alimentação popular”, conta o pesquisador Cid Ferreira.
O material genético da espécie cultivada no Inpa advém de apenas um indivíduo de Coccoloba gigantifolia, o que para Gribel precisa ser ampliado ao se pensar em políticas de conservação.
“Agora é preciso conhecer melhor o padrão de distribuição e verificar se esta Coccoloba é realmente restrita à bacia do rio Madeira. Será preciso coletar mais sementes e cultivar. Nosso material genético do Inpa é originado de apenas uma árvore da Floresta Nacional do Jamari, ou seja, tem um estreitamento genético muito grande. Para políticas de conservação será preciso mais árvores matrizes de diferentes procedências e uma maior propagação”, ressalta Gribel. “Mas para arborização urbana, isso pode ser um problema menor, por isso já repassamos cerca de 300 mudas para a Prefeitura de Manaus”, adianta.
Encontrada até o momento apenas na bacia do rio Madeira, a Coccoloba gigantifolia tem aparentemente distribuição descontínua e é considerada rara. Devido a estas características, há preocupação quanto a sua conservação em função do avanço do desmatamento e construção de hidrelétricas na região. “Apesar de existir ainda muita floresta nessa região, a paisagem está mudando muito rapidamente, principalmente no sul do Amazonas”, explica Gribel.
A Coccoloba gigantifolia tornou-se bem conhecida até mesmo antes de sua identificação. Na Casa da Ciência, no Bosque da Ciência do Inpa, a folha gigante é atração para visitantes há mais de 20 anos. A descrição da espécie foi um desafio para os especialistas que se depararam com a árvore muito peculiar. Para Gribel, a descrição demorada mostra como o trabalho de taxonomistas pode levar tempo na Amazônia, onde muitas árvores produzem flores e frutos de forma supra-anual.
“É excepcional que no século 21 nós tivéssemos ainda uma espécie com características tão únicas ainda não conhecidas pela ciência, isso mostra que muitas regiões podem estar sofrendo queimadas e desmatamentos sem que se conheçam muitas das espécies que ali ocorrem. Assim como a Coccoloba gigantifolia, podem existir espécies únicas não conhecidas pelo tamanho das folhas, flores, frutos, aspectos relacionados a processos ecológicos, polinização, dispersão de sementes e com potencial importância alimentícia, biotecnológica e medicinal para humanidade”, explica o ecólogo.
Para o pesquisador, popularizar as espécies inéditas é chamar a atenção para riqueza e diversidade da Amazônia. “Debaixo daquele tapete que parece homogêneo quando visto do avião tem uma diversidade imensa de animais e vegetais que precisam ser melhor conhecidos e manejados. A grilagem de terras e a tendência de substituir a floresta por pasto ou monocultivos de grãos é preocupante, pois perdemos componentes da biodiversidade sem sequer conhecê-los, simplesmente são derrubados e queimados sem serem registrados”, destaca Gribel.
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