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Pequenos igarapés abrigam até 50 espécies de peixes, que correm risco de extinção

  • Publicado: Segunda, 10 de Março de 2014, 20h00
  • Última atualização em Terça, 14 de Abril de 2015, 08h53

 

De acordo com Jansen Zuanon ainda há nascentes de igarapés em Manaus em boas condições dentro de fragmentos florestais. O pesquisador afirmou que é preciso ter uma política pública agressiva para proteger essas áreas

Por Luciete Pedrosa

“Emum igarapé típico de um a três metros de largura podemos encontrar até 50 espécies nativas de peixes. Quando o ambiente é degradado, com a retirada da floresta e com a poluição, estas espécies podem simplesmente desaparecer daquele local”. Foi o que afirmou o biólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), Jansen Zuanon, na palestra “Igarapés, natureza, desafios e oportunidades”, durante a primeira reunião deste ano e a 33ª doGrupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA) do Inpa.

O encontro aconteceu nesta terça-feira (11), no auditório da diretoria do Inpa, e teve a participação de pesquisadores, estudantes, professores, gestores e técnicos de instituições como a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Universidade do Estado do Amazonas (UEA). A reunião marcou também o 7º ano de existência do grupo.

Zuanon fez uma breve explanação sobre o seu campo de pesquisa, peixes, e sobre a situação geral em que se encontram os igarapés da área urbana de Manaus. Ele explica que quando os igarapés são degradados, a maior parte das espécies nativas é exterminada, às vezes não restando nenhuma espécie de peixe no local. Ainda segundo ele, as espécies que geralmente são encontradas em igarapés fortemente poluídos e degradados não são nativas desses igarapés, mas sim de outros tipos de ambientes, como as várzeas.

O pesquisador explica que essas espécies de várzea (ambientes de águas barrentas) invadem os igarapés porque conseguem lidar um pouco melhor com a grande quantidade de matéria orgânica ali existente e com as demais condições ambientais predominantes que são baixa concentração de oxigênio dissolvido, substratos mais lamacentos ao invés de arenosos. Entre essas espécies, os tamoatás são os mais abundantes, mas algumas espécies de acarás da várzea e mesmo espécies exóticas (de outros países ou continentes), como a tilápia também estão presentes nos igarapés poluídos.

Segundo o pesquisador, o estudo de igarapés como modelo ecológico tem-se revelado muito interessante. São pequenos corpos d’água onde se consegue delimitar trechos para estudo, estabelecer mensurações adequadas e ter uma boa estimativa da diversidade de fauna e flora existente no ambiente. “É um ambiente muito promissor para se desenvolver pesquisas ecológicas. Além do mais, os igarapés  fazem parte do cotidiano das pessoas que vivem na Amazônia, que entendem a necessidade da preservação desse tipo de ambiente”, diz.

Filosofia do jirau”

“Nós, que vivemos na cidade, só temos contato com os igarapés quando a cidade vai caminhando em direção à fronteira da floresta que vai sendo derrubada. Cruzando as grandes cidades o que temos não são igarapés, são esgotos a céu aberto”, ressalta o pesquisador ao referir-se sobre o que ele denomina de “filosofia do jirau”, hábito que as pessoas do interior têm de fazer uma espécie de plataforma de madeira, onde são preparados os alimentos e se lava as louças. Os restos dos alimentos caem no igarapé e as águas levam a sujeira, sem muito prejuízo. O que é devolvido para o igarapé na forma de lixo (escamas de peixes, resto de comida, casca de frutas) acaba sendo assimilado pelo sistema, pois a quantidade de pessoas nessas comunidades é muito pequena.

Para o pesquisador, essa “filosofia do jirau” (atirar tudo no igarapé e deixar que a água leve) é caótica para um ambiente urbano, onde se tem muita gente num entorno de poucos igarapés, que geralmente apresentam as nascentes alteradas e a floresta derrubada. “Isto é um caminho para o desastre. Quando essa “filosofia” é transportada para o ambiente urbano da cidade, ela não funciona mais porque a quantidade de pessoas é enorme e o tipo de lixo que é jogado é muito diferente, pois  não se trata de um lixo biodegradável, mas sim de restos de plásticos, latas e outros detritos. O acúmulo de lixo entulha os canais dos igarapés, gerando enchentes e tornando a vida dos moradores do entorno num verdadeiro  caos.

“É o que temos hoje na área urbana de Manaus, com igarapés completamente poluídos, tomados por esgotos e com leitos cobertos por plásticos, entulhos, latas, sofás velhos, carcaças de carros e tudo o mais que as pessoas não querem e arremessam nos igarapés”, explica Jansen.

Vontade política

O pesquisador aponta dois caminhos a serem tomados para resolver esta questão nos ambientes urbanos: o primeiro, é o planejamento de proteção dessas nascentes. Segundo ele, ainda há nascentes de igarapés em Manaus em boas condições dentro de fragmentos florestais ou desprotegidas. “É preciso ter uma política pública agressiva para proteger essas áreas”. O segundo caminho é construir soluções técnicas para remediar a situação que já existe.

Para Jansen, o ponto fundamental dessa questão é a coleta e o tratamento de esgoto doméstico. “Não existe dificuldade tecnológica para que isso seja feito. Só basta ter vontade política. Tem que haver investimentos em coleta e tratamento de esgoto. Tem que cavar ruas, colocar tubos, coletar esse esgoto e passar por um sistema de tratamento que devolva água limpa. Só que é um serviço que aparece pouco, porque está literalmente enterrado. E esse é um tipo de obra que os políticos não gostam de fazer, porque não aparece”, esclarece o pesquisador.

Além disso, segundo Zuanon, é preciso haver lixeiras estrategicamente espalhadas e coleta (geral e seletiva) de resíduos, para evitar que as enxurradas carreguem mais lixo ainda para os igarapés. “Finalmente, e mais importante, é fundamental que haja um forte investimento em educação para a cidadania, que inclui a educação ambiental, de maneira que a população esteja cada vez melhor informada e mais atenta à necessidade de preservar esse valioso patrimônio natural que são os nossos igarapés." 

O coordenador do GEEA, Geraldo Mendes, explica que o grupo foi criado em 2007 pelo Inpa com o objetivo de constituir um fórum permanente e multidisciplinar para a análise de questões relevantes para a Amazônia e a socialização da ciência através de uma linguagem acessível. O Grupo é formado por pesquisadores, professores, empresários e gestores que se reúnem geralmente a cada dois meses para debater um tema previamente escolhido e apresentado por um especialista de renome. As discussões do GEEA geram publicações, que nestes últimos sete anos já foram elaboradas sete edições, que serão de grande utilidade não só para o mundo acadêmico, mas também para técnicos e políticos.

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