Árvores da Amazônia agem como um registro vivo da atividade humana passada na região
Novo estudo do Inpa e do Instituto Max Planck, na Alemanha, mostra que as árvores tropicais agem como um registro vivo da atividade humana passada na Amazônia
Da Redação – Instituto Max Planck
A castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa) é bem conhecida em todo o mundo e tem sido uma parte importante das estratégias de subsistência humana na floresta amazônica, pelo menos desde o início do Holoceno (cerca de 12.000 anos atrás). Essas árvores podem viver por centenas de anos e são manejadas hoje por seres humanos devido as suas valiosas castanhas. Padrões no estabelecimento e crescimento de castanheiras vivas na Amazônia Central refletem mais de 400 anos de mudanças na ocupação humana, atividades políticas e socioeconômicas na região.
Em um novo artigo publicado na revista Plos One intitulado Anéis de crescimento de castanheiras (Bertholletia excelsa) como um registro vivo de distúrbios humanos históricos na Amazônia Central, uma equipe internacional de cientistas relata o uso combinado de dendrocronologia (ciência que analisa os anéis de crescimento das árvores) e levantamento histórico para investigar os efeitos das mudanças societárias e demográficas nos distúrbios florestais e na dinâmica de crescimento de uma espécie arbórea neotropical, a castanha-do-brasil.
O estudo, liderado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC), juntamente com colegas do Instituto Max Planck da Ciência da História Humana, mostra a influência das populações humanas e suas práticas de manejo na domesticação das paisagens desta floresta tropical. O artigo é assinado por Victor Caetano Andrade, Bernardo Flores, Carolina Levis, Patrick Roberts, e os pesquisadores do Inpa Charles Clement e Jochen Schöngart.
Os pesquisadores usaram amostragem não-destrutiva, na qual pequenas amostras são removidas da casca até o centro das árvores para comparar os anéis de 67 castanheiras. Este é o primeiro estudo sobre a influência humana no crescimento de árvores que se estende 400 anos no passado, desde os tempos pré-coloniais naquela região do Brasil. O trabalho também reforça que as populações pré-coloniais deixaram marcas importantes na Amazônia, contribuindo para a mudança da estrutura e dos recursos florestais ao longo do tempo.
Amazônia domesticada
Até recentemente, as florestas da Bacia Amazônica costumavam ser consideradas "intocadas" ou o local de ocupação e uso humano em pequena escala antes da chegada dos exploradores europeus no século XVI. No entanto, pesquisas arqueológicas, arqueobotânicas, paleoambientais e ecológicas recentes destacam evidências extensas e diversificadas da domesticação de plantas, dispersão de plantas, manejo florestal e alteração da paisagem por sociedades pré-colombianas.
No entanto, o manejo humano das florestas tropicais sofreu uma série de mudanças drásticas com o surgimento das sociedades industrializadas globais. Muitas árvores economicamente importantes dominam as florestas amazônicas modernas, algumas das quais passaram por processos de domesticação. Portanto, entender as mudanças no manejo florestal testemunhadas pelas florestas amazônicas ao longo dos últimos séculos tem implicações significativas para a interação humana contínua com esses ecossistemas ameaçados.
“Os resultados deste estudo demonstram que o crescimento da castanha-do-brasil reflete o manejo e a intensidade da ocupação humana. Este é mais um passo para entender as interações cruciais que levaram a floresta amazônica a ser a paisagem humanizada e dinâmica que é hoje”, diz o engenheiro florestal Victor Caetano Andrade, principal autor do estudo, que fez mestrado no Inpa e atualmente é doutorando no Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana.
Uma história registrada em anéis
Recentes estudos dendroecológicos surgiram como um caminho promissor para a investigação de mudanças no ambiente em florestas tropicais. Esses estudos avaliam os anéis formados anualmente em certas espécies de árvores para obter informações sobre o crescimento e idade dessas árvores, como é o caso da castanha-do-Brasil. Padrões de estabelecimento (nascimento) e mudanças abruptas no ritmo de crescimento das árvores, evidenciados por esses anéis, fornecem informações sobre as condições ambientais locais no passado.
No estudo liderado por Andrade, os pesquisadores trabalharam em uma área da Amazônia Central próxima a Manaus, com alta densidade de castanha-do-Brasil, conhecida localmente como castanhais. Através de amostragem não-destrutiva, em que pequenas amostras são removidas da casca até o centro das árvores, eles compararam dados de anéis de árvores de núcleos de 67 árvores com as informações históricas disponíveis sobre as mudanças demográficas, políticas e econômicas na região nos últimos 400 anos.
Indígena e colonial: uma mudança no modo de viver com a floresta
Com base em sua interpretação dos anéis de crescimento, os pesquisadores foram capazes de construir uma imagem das histórias de vida dessas castanheiras e como elas responderam ao manejo florestal humano pré e pós-colonial. O manejo de árvores na floresta amazônica frequentemente envolve práticas que incluem a limpeza do sub-bosque, a abertura do dossel da floresta, a derrubada de plantas lenhosas e a proteção ativa das plantas de interesse. Os pesquisadores realizaram o estudo na esperança de encontrar evidências dessas práticas nos anéis de crescimento.
Os pesquisadores reuniram informações históricas sobre o povo indígena Mura, que habitou a região antes do estabelecimento da administração colonial portuguesa e testemunhou o declínio da sua própria população a partir do século XVIII, seguido pelo surgimento de uma nova sociedade pós-colonial. Durante a transição entre o declínio da população indígena e a expansão de um centro político pós-colonial (a cidade de Manaus), a população humana era baixa, coincidindo com um período durante o qual novas árvores não foram estabelecidas na região.
Essa lacuna no estabelecimento de novas árvores sugere que houve uma interrupção das práticas de manejo indígenas, provavelmente devido ao colapso da população, como em muitas outras sociedades pré-colombianas. Um período posterior de renovação do estabelecimento de árvores, também associado a mudanças nas taxas de crescimento das árvores existentes, alinha-se com uma mudança para a exploração moderna da floresta no final do século XIX e século XX.
A compreensão de como o manejo florestal mudou após a chegada dos colonos europeus e a ascensão das potências industriais ao longo dos últimos séculos tem implicações para o futuro da silvicultura e conservação sustentáveis na Amazônia. “Nossas descobertas lançam luz sobre como as histórias passadas de interações entre humanos e florestas podem ser reveladas pelos anéis de crescimento das árvores na Amazônia”, explica Caetano Andrade. “Futuras análises interdisciplinares dessas árvores, incluindo o uso de genética e isótopos, devem permitir investigações mais detalhadas sobre como o manejo de florestal mudou nesta parte do mundo, ao longo dos períodospré- e pós-coloniais.”
Saiba Mais:
Link: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0214128
Revista: PLOS ONE,DOI:10.1371/journal.pone.0214128
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