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Borboletas de hábitos noturno

  • Publicado: Terça, 21 de Fevereiro de 2006, 15h34
  • Última atualização em Quarta, 01 de Abril de 2015, 15h36

 

 

Hábitos peculiares de um determinado grupo de borboleta vêm despertando ao longo de décadas a curiosidade e, conseqüentemente, o interesse de cientistas do mundo todo pela classificação correta desses animais. Especiais por natureza, essa borboleta pertence à família dos hedilídeos, um grupo pouco estudado, que agrega características tanto de mariposas, quanto de borboletas, inclusive a preferência em desempenhar suas atividades no período noturno, marca registrada das mariposas. Parte dessas informações está reunida na dissertação de Gilcélia Lourido, que está finalizando o Mestrado em Entomologia, oferecido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Lourido busca, desde 2004, concretizar os seguintes objetivos: trabalhar a taxonomia (processo de identificação e classificação das espécies de animais) dos hedilídeos que ocorrem na Amazônia brasileira; e estudar a biologia da Macrosoma tipulata, uma espécie de hedilídeo com bastante ocorrência na região. O interesse pela tipulata surgiu a partir de uma demanda do setor agrícola, no Amazonas. “Em 1999, houve um surto populacional desse inseto em cupuaçuzeiros, de Manaus. Ainda existe a falta de conhecimentos sobre as técnicas de manejo e cultivo da fruta por grande parte dos produtores da região, sobre alguns cuidados necessários para evitar a incidência de pragas. O único modo de se projetar medidas de controle de insetos é conhecendo a sua biologia. E é isso que estamos fazendo com a tipulata, entendendo para poder controlar”, explica Lourido.

O resultado do ataque aos cupuaçuzeiros pode ser drástico. As lagartas dessa espécie de “borboleta” desenvolveram um sistema de camuflagem eficiente, ao ponto de tornarem-se invisíveis aos seus predadores naturais, se as mesmas estiverem sob à superfície de uma folha. Com período de desenvolvimento natural rápido - em apenas 25 dias um ovo transforma-se em um adulto - a tipulata pode ser considerada uma praga em potencial. Isentos de informações a respeito da lagarta, os produtores de cupuaçu do estado tentam, sem muito sucesso, estancar e prevenir a ação dos insetos.

Manter a ameaça à distância exige a geração de muitos conhecimentos sobre a espécie. Em vista disso, na tentativa de entender um pouco do modo de vida da tipulata, Lourido conseguiu criar em viveiros essa espécie. “A maioria das lagartas foi coletada em cultivos em Manaus, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva. O levantamento dos exemplares adultos dessa e de outras espécies de hedilídeos estendeu-se por Museus como o de Zoologia da Universidade de São Paulo, o Nacional do Rio de Janeiro, entre outros locais. Livres, imaginamos que elas vivam em ambientes altos, como as copas das árvores. Isso por que durante captura de insetos na Torre da Reserva ZF2, a 40 m de altura, várias espécies foram apanhadas, o que confirma a sua ocorrência na copa das árvores”, diz Lourido.

No laboratório, foi possível observar alguns aspectos intrigantes relacionados à alimentação e reprodução do inseto. Em média, um exemplar adulto vive 12 dias (em viveiro). Em ambiente aberto, a dieta alimentar do adulto ainda é um mistério para a ciência, mas no viveiro, eles foram alimentados com solução de mel de abelha, 10% dissolvido em água. No entanto, as dúvidas e especulações ainda convergem para o fato delas, mesmo sendo consideradas borboletas, desempenharem suas atividades no período da noite, fato inédito, jamais visto em outra espécie de borboleta. “Os testes nos viveiros comprovaram que elas somente se alimentam e reproduzem-se em ambiente escuro. Tanto que para acompanharmos esses processos tivemos que utilizar uma lanterna coberta com papel celofane vermelho, evitando, ao máximo, causar qualquer interferência”, destaca a pesquisadora.

Mesmo adequando o viveiro às condições que se assemelhavam ao meio ambiente em que as borboletas vivem – ou eram encontradas – em três casais que acasalaram não foi possível acompanhar a finalização do processo reprodutivo, que é o ato de gerar os ovos. Dados como o período de desenvolvimento larval, foram obtidos a partir de estudos com ovos coletados em campo.

A dificuldade em se obter informações mais detalhadas sobre a biologia da tipulata esbarra em um problema ainda maior. Do universo dos hedilídeos, somente 35 são conhecidas. Desse montante, 21 ocorrem no Brasil e 16 encontram-se presentes na Amazônia brasileira. “Mesmo diante das nossas dificuldades com a tipulata, para se ter uma idéia, das 35 espécies conhecidas, somente duas são de fato melhor estudadas pela comunidade científica. Uma delas é a tipulata, que é objeto de estudos do meu trabalho, e a outra é a Macrosoma semiermes, pesquisada no Panamá. O obstáculo maior é conseguir coletar material (ovos, pupas, adultos) das demais espécies no ambiente”, salienta Lourido.

Atualmente, acredita-se que o Peru abriga a maior diversidade de espécies conhecida de hedilídeos, com 26 ao todo. No entanto, tudo indica que, com o avanço nas pesquisas, novas espécies serão descobertas.

Mariposa ou Borboleta? - Até 1986, a ciência considerava os hedilídeos como sendo mariposas. Algumas características como a coloração sombria e a preferência pelas atividades noturnas, sustentavam essa tese. Passados alguns anos, foi feita uma nova revisão do grupo, com a utilização de métodos mais novos e sofisticados. Resultado disso: a tipulata passou a ser identificada como uma borboleta. “Há algumas semelhanças com a mariposa, é claro. Mas um estudo mais detalhado revelou alguns aspectos dessa espécie e, comparando as características, verificou-se que a mesma tinha maior semelhança com as borboletas”, revela Lourido.

Uma avaliação visual, feita por leigos, mostraria que a mariposa tem o corpo mais gordo, antenas de diferentes formas (filiforme, que vem de “fino”, ou plumosas). Em repouso, elas acomodam suas asas (de cores mais foscas, primando pelo branco e o preto) sob o corpo. Ao contrário, as borboletas têm o corpo mais delgado, antenas mais finas terminando em clava, e pousam com suas asas situadas para cima, na vertical, característica própria das borboletas. Analisando a morfologia dos hedilídeos nas fases de ovo, larva e pupa, verificou-se que eles são totalmente semelhantes a outras espécies de borboletas.

Nesse caso, mesmo tendo sido classificado como sendo uma borboleta, os hedilídeos têm algumas características próprias, muitas das quais fizeram com que o grupo fosse considerado uma mariposa. Eles são incrivelmente diferentes de qualquer outra família pertencente a ordem dos lepidópteros (onde lepido que dizer escamas e ptera significa asas), na qual borboletas e mariposas encontram-se. Apresentam um órgão timpânico no primeiro par de asas, o que seria uma espécie de orelha na asa. Esse sistema serve, principalmente, para que a borboleta localize-se e proteja-se contra predadores, como os morcegos. Essa estratégia de sobrevivência é um benefício restrito às mariposas, justamente, por terem uma rotina noturna. As borboletas só voam de dia, prescindindo desse sistema.

Durante um tempo, uma hipótese apontava que esse grupo seria uma espécie de transitória entre a mariposa e a borboleta”, conta Lourido. Os hedilídeos seriam os ancestrais vivos das borboletas, pois usufrui de qualidades de ambos os grupos.

Aplicação dos Resultados - Desenvolvida com o objetivo maior de estudar a biologia da tipulata para prevenir possíveis pragas nas plantações de cupuaçu, atividade que movimenta a renda de muitos produtores do Amazonas, a pesquisa destaca-se, também, pela sua contribuição singular à comunidade científica mundial ao gerar conhecimento sobre um grupo de borboletas tão pouco conhecido e estudado.

Gilcélia estará viajando esse sábado (11/02) para apresentar seu trabalho no Congresso Brasileiro de Zoologia, que acontecerá entre os dias 12 e 17 desse mês, em Londrina, Paraná.

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