Inpa pretende reintroduzir à natureza um número maior de peixes-bois readaptados
Depois que foi adotado o sistema de semicativeiro (2011), observou-se com a soltura dos quatro peixes-bois, em 2016, também, na Reserva Piagaçu-Purus, que o novo sistema deu certo
Por Luciete Pedrosa – Ascom Inpa
A adaptação de mais cinco peixes-bois reintroduzidos à natureza na última semana será decisiva para o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/ MCTIC) fazer a soltura de mais animais, mas sem o cinto de telemetria. O equipamento que utiliza sinais de rádio permite acompanhar diariamente os animais por um período de até dois anos.
Careiro, iraê Cairunã, Mawa e Kuana (doce perfume, em língua indígena, e faltava ser “batizado”) foram reintroduzidos, os três primeiros na quinta e os dois últimos na sexta-feira (7), no lago Trapinho, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Piagaçu-Purus, em Anori (a 175 km de Manaus). Esta é a segunda soltura de peixes-bois que passaram por um período de adaptação no semicativeiro, em Manacapuru, dentro do novo sistema do projeto Peixe-Boi do Inpa. Antes, eles saíam dos tanques, em Manaus, direto para a natureza.
“Caso esses cinco peixes-bois se adaptem à natureza, teremos a certeza de que o sistema de semi-cativeiro funcionou. E para as próximas reintroduções, soltaremos os animais sem os cintos e nunca mais saberemos o que aconteceu, mas com a certeza de que a readaptação foi um sucesso”, revela a coordenadora do projeto, a pesquisadora Vera da Silva. As próximas solturas acontecerão em 2018 e com a possibilidade de ter um número maior de animais.
Esta é a quarta edição do Programa de Reintrodução de Peixes-Bois da Amazônia. Nas duas primeiras edições, em 2008 e 2009, foram soltos dois indivíduos de cada vez, no rio Cuieiras (margem esquerda do rio Negro, a 80 km de Manaus). Nessas tentativas de reintrodução dos animais à natureza, percebeu-se que eles não estavam se adaptando ao ambiente, pois não conseguiam encontrar seu próprio alimento e estavam perdendo peso. Dois animais foram resgatados e levados de volta para o cativeiro (tanque) no Inpa, em Manaus (AM). Os animais são tratados, cuidados e são uma das principais atrações do Bosque da Ciência, espaço de visitação pública da Instituição.
Novo sistema
Segundo a pesquisadora Vera da Silva, depois que foi adotado o sistema de semi-cativeiro (2011), observou-se com a soltura dos quatro peixes-bois, em 2016, também, na Reserva Piagaçu-Purus, que o novo sistema deu certo. No semicativeiro, o peixe-boi permanece, no mínimo, um ano se adaptando num ambiente natural e em contato com outros animais (peixes e quelônios), num lago de 13 hectares, numa fazenda em Manacapuru (a 68 quilômetros de Manaus).
“Os animais são monitorados, por meio de transmissores, há mais de 400 dias, com resultados satisfatórios e sabe-se que estão explorando bem o ambiente”, diz Silva, lembrando que, dos quatro animais, três ainda são monitorados e um deles, o cinto soltou. “Um desses animais foi recapturado após um ano de soltura e constatou-se que o animal cresceu e aumentou de peso”, destaca Silva. “Vimos que o peixe-boi está adaptado ao ambiente. É um animal que foi criado com mamadeiras no tanque do cativeiro no Inpa e, hoje, está nadando livremente no rio Purus”, comemora a pesquisadora.
O Projeto Peixe-Boi foi criado no Inpa, em 1974, quando chegou o primeiro filhote órfão. De lá pra cá, o projeto passou por várias etapas, desenvolvendo estudos para a conservação desses mamíferos aquáticos na região. Em decorrência da caça ilegal, o Inpa recebe por ano cerca de dez filhotes órfãos de peixes-bois e mantém, hoje, no seu plantel 62 indivíduos.
“Por isso, é importante, reintroduzir esses animais na natureza. É um trabalho de equipe que conta com a colaboração do biólogo Diogo Souza, responsável pelo Programa de Reintrodução de Peixes-Bois da Amazônia, e do veterinário Anselmo D'Affonseca, que acompanha os animais no cativeiro”, explica.
As ações de retirada dos peixes-bois bois do semicativeiro e de soltura na natureza fazem parte do Programa de Reintrodução de Peixes-Bois da Amazônia, um dos focos de atuação do Projeto Museu na Floresta. Trata-se de uma parceria do Inpa com a Universidade de Kyoto (Japão) e conta com o apoio de diversos parceiros, como o Aquário de São Paulo – com os equipamentos de telemetria –, a Agência de Cooperação Internacional Japonesa (JICA-Brasil) e a empresa japonesa Itochu, que apoiam financeiramente o projeto.
Monitoramento
Antes da soltura, os assistentes de monitoramento (ex-caçadores de peixe-boi e ribeirinhos) acoplaram um cinto de telemetria adaptado com um transmissor VHF na cauda dos peixes-bois para o acompanhamento diários dos animais. O monitoramento pós-soltura é importante para verificar a adaptação dos animais às novas condições de vida e saber quais são os habitat que preferem utilizar e, também, avaliar o sucesso da reintrodução.
“Com um receptor e uma antena, os assistentes captam o sinal dos transmissores, numa distância de até três quilômetros”, diz o responsável pelo Programa de Reintrodução dos Peixes-Bois da Amazônia, Diogo Souza. “Também é possível acompanhar os deslocamentos diários ou sazonais que os animais estão realizando. São mais de 300 pontos monitorados por bicho”, revela.
Informações sobre velocidade, natação, profundidade de mergulho também serão monitorados por equipamentos acoplados nas costas dos peixes-bois pela pesquisadora Mumi Kikuchi do Centro de Pesquisa da Vida Selvagem da Universidade de Kyoto. Um hidrofone também foi adaptado para a captação de sons de mastigação para saber se o peixe-boi se alimentou depois das primeiras semanas de soltura e se estão se associando com outros animais, por meio dos sons de vocalização registrados pelos equipamentos.
“Não é um trabalho fácil o monitoramento do peixe-boi, mas acredito que é importante para ajudar na preservação do animal”, diz o assistente de monitoramento José Francisco Bastos, que desenvolve o trabalho juntamente com os assistentes Mario Jorge Bastos, Raimundo Bastos Vidinha e Tiago Larroque.
O Programa de Reintrodução de Peixes-Bois da Amazônia conta com a colaboração de tratadores, veterinários, biólogos e comunitários, numa parceria com a Associação Amigos do Peixe-Boi da Amazônia (Ampa) e a RDS Piagaçu-Purus.
Boas-vindas
Durante a expedição, que iniciou na última quarta-feira (5), a equipe fez uma parada na comunidade Cuiuanã para que os moradores que vivem nessa localidade e de Itapuru, ambas situadas no entorno da Reserva Piagaçu-Purus, dessem as boas-vindas aos cinco animais. Na ocasião, a estudante Darlene Gomes foi anunciada como a vencedora, entre 120 concorrentes, do concurso que escolheu o nome do peixe-boi Kuana.
Sobre o peixe-boi
O peixe-boi da Amazônia é um animal endêmico da região amazônica, isso quer dizer que só ocorre nos rios de água doce da bacia amazônica. Vivem, em média, 45 anos, chegando a pesar 450 quilos e medir até 3 metros. É um herbívoro e se alimenta de capins e plantas que nascem na água, como mureru, canarana e capim membeca. Tem um papel importante no ecossistema aquático, como transformar essa biomassa vegetal em partículas menores para outros organismos. As fezes e a urina do peixe-boi servem de adubo para as plantas e alimentos para diversas espécies de peixes.
São animais de hábito solitário e só começam a se reproduzir aos oito ou dez anos de idade, a cada quatro anos, na época da seca. A gestação da fêmea dura quase 12 meses e nasce apenas um filhote por gestação, o que dificulta o aumento da população.
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