Criação de peixes exóticos no Amazonas trará prejuízos ambientais e econômicos
Espécies nativas, como tambaqui e matrinxã, cultivadas com tecnologia desenvolvidas no Inpa, Ufam e instituições parceiras, não estão preparadas para enfrentar as doenças que podem vir, por exemplo, com a tilápia ou outras espécies exóticas. Governo do Amazonas se comprometeu na última quinta-feira em reavaliar a lei
Por Cimone Barros
Fotos: Elizabeth Gusmão e E. Ono - Acervo
A liberação no Amazonas da criação de peixes não-nativos é um retrocesso, e pode representar apenas uma estratégia para ganho financeiro rápido e fácil, a partir da aplicação de um pacote tecnológico pronto. A avaliação é de cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
De acordo com o pesquisador do Inpa, o doutor em Ecologia Jansen Zuanon, a medida trará prejuízos ambientais e econômicos, inclusive para a piscicultura local. Espécies nativas, como tambaqui e matrinxã, cultivadas com tecnologia desenvolvida localmente, não estão habituadas às doenças que podem ser disseminadas com a introdução de espécies exóticas, como a tilápia (originária da África), principal espécie utilizada na piscicultura em regiões tropicais do mundo. A tilápia é um ciclídeo, da mesma família dos acarás, tucunarés e jacundás.
A Amazônia possui mais de 2.500 espécies de peixes, com mais de 100 espécies comercializadas regularmente em Manaus. Há dezenas de espécies nativas parecidas com a tilápia, com tamanho, rendimento de carcaça e qualidade da carne similares às daquela espécie exótica, como o acará-açu, o acará-bararuá e o acará-prata. Na região, já há iniciativas para cultivo dessas espécies nativas, o que deveria ser estimulado ao invés de trazer pacotes tecnológicos prontos para espécies exóticas.
A lei ordinária 79/2016, sancionadapelo governador José Melo (PROS), na última segunda-feira (30), disciplina a atividade de aquicultura no Amazonas e dá outras providências, o que inclui temas polêmicos como a liberação do cultivo de espécies exóticas nos rios da região, a possibilidade de barramento de igarapés, e a autorização de empreendimentos em Áreas de Preservação Permanente (APPs) quando de “interesse público”.
Depois da forte pressão de ambientalistas, especialistas e instituições da área ambiental, o Governo do Amazonas deu sinal, na quinta-feira (03), de que voltará atrás na decisão e se comprometeu em reavaliar a lei, incluindo esses itens que provocaram indignação. A correção deverá ser feita por meio de “Projeto de Lei que será encaminhado à Assembleia Legislativa do Amazonas, o mais rápido possível”. Até o Ministério do Meio Ambiente emitiu nota afirmando que fará os esforços necessários para que a lei, considerada como “mais um episódio de retrocesso na área ambiental do país”, seja revogada.
Moção de Repúdio
A lei recém sancionada, que traz consequências graves para o ambiente e a biodiversidade da Amazônia, levou especialistas e técnicos do Inpa, Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica (Cepam/ ICMBIO), e de instituições parceiras, a trocarem informações e elaborarem uma Moção de Repúdio . O documento foi entregue ao Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas para tentar reverter o quadro: pressionar o Governo a revogar a lei e abrir o tema para discussão.
De acordo com Zuanon, a comunidade técnico-científica não foi ouvida adequadamente, e quando tentou se manifestar não teve eco junto ao Governo e à Assembleia Legislativa para gerar um projeto de lei melhor e mais adequado ao ordenamento da aquicultura no Estado do Amazonas. Ele lembra que a autorização para introdução de espécies exóticas é uma atribuição do governo Federal. “Havia uma minuta inicial da lei que incluía uma série de salvaguardas ambientais, as quais foram retiradas ou vetadas nessa versão final da lei que foi sancionada”.
Segundo outro pesquisador do Inpa, o doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior Efrem Ferreira, os locais onde foram introduzidas espécies exóticas tiveram problemas. “Temos vários exemplos no Brasil. Na década de 1960, uma espécie exótica na piscicultura, a carpa, trouxe consigo um parasita que não tinha controle, não tinha como se proteger”, contou. “No Panamá, foi introduzido o tucunaré, que é um predador. Lá ele dominou e dizimou várias espécies, porque ele não tem competidor ou predador local”, completou.
Fragilização da situação ambiental
Além da introdução de espécies, outra grande preocupação com a lei ordinária 79/2016 é que ela altera várias outras leis, fragilizando a situação ambiental, ao permitir o barramento de igarapés e a autorizar empreendimentos em APPs. “Isso é muito grave e não podemos ser condescendentes com isso”, afirmou Ferreira.
Para os especialistas, os próximos passos não dependem apenas da comunidade científica, mas da sociedade, ao pressionar para que a lei seja revogada e substituída por um texto mais adequado.
“O barramento de igarapés é uma forma muito danosade intervenção no ambiente, pois causa alterações ambientais locais, gera conflitos no uso de água por proprietários vizinhos, polui a água e altera completamente o ecossistema aquático”, explicou Zuanon. “Temos, aqui mesmo no Estado do Amazonas, alternativas viáveis ao barramento, como o cultivo em canal de igarapé, que é muito menos agressivo ambientalmente. Então, temos saídas técnicas melhores que as propostas nessa lei”, completou.
Doenças
Segundo Jansen Zuanon, a introdução de espécies é muito preocupante, porque pode criar problemas diretos para as espécies de peixes nativas, ao gerar competição por alimento, espaço e locais de reprodução, por exemplo. Além disso, o processo de trazer peixes de fora pode trazer junto uma série de doenças, que podem afetar todas as espécies que vivem naqueles ambientes aquáticos, inclusive aquelas espécies nativas que o produtor já cultiva, e que não têm defesas contra aqueles tipos de doenças.
“São vários tipos de organismos patogênicos, que incluem bactérias, protozoários, fungos e até alguns crustáceos parasitas, que entram na pele e na carne do peixe e causam feridas que podem ser porta de entrada para outras infecções por bactérias e fungos”, contou o pesquisador.
As consequências, de acordo com o pesquisador, são várias, indo desde a perda do valor de comercialização do pescado (por causa das feridas) até a perda total de estoques de peixes por mortalidade. Para piorar, frequentemente o remédio para curar essas doenças é tão forte que pode causar a morte dos peixes.
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