Roland Vetter é o primeiro pesquisador do Inpa a receber royalties por uma invenção
O Água Box é um sistema de desinfecção solar de água que nasceu de uma demanda do povo Deni. Em 2005, 11 crianças daquela etnia indígena morreram de doenças diarréicas, que são causadas por vírus, bactérias e parasitas
Da Redação – Ascom Inpa
Fotos: Fernanda Farias e Acervo pesquisador
Há uma década o purificador de água – Água Box – ajuda a reduzir as doenças causadas por águas contaminas em aldeias indígenas e comunidades ribeirinhas da Amazônia. O equipamento de desinfecção solar de água foi desenvolvido pelo alemão Roland Vetter, 63, o primeiro pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) e do Amazonas a receber royalties por uma invenção. Em junho, o pesquisador deve receber o “extra” no contracheque.
A transferência de tecnologia para a empresa QLuz Ecoenergia aconteceu em 2012. Para o inventor, o pagamento de royalties varia de 5% a 1/3 sobre o faturamento do produto comercializado e esse percentual está regulamentado na Lei nº 10.973/2004, alterada pela Lei 13.243/2016 do novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação.
O invento de Vetter é considerado um Modelo de Utilidade, por utilizar materiais e equipamentos existentes para melhorar a vida das pessoas. Para essa modalidade, a proteção tem prazo de validade de 15 anos e depois passa a ser de domínio público. Uma outra modalidade de propriedade industrial é de patente de invenção, quando é algo inédito, e o prazo de pagamento dos royalties é de 20 anos.
Para o diretor do Inpa, Luiz Renato de França, mais importante que o valor, ainda pequeno, é o simbolismo da ação. “Esta é uma tecnologia que está difundida inclusive no exterior, de algo que é importante do ponto vista social, e que pode gerar recursos ao pesquisador, à instituição e ao país”, disse França.
De acordo com a titular da Coordenação de Extensão Tecnológica e Inovação (Ceti), Noélia Falcão, quando há transferência de tecnologia por meio de licenciamento, a empresa tem um prazo para a produção em escala e, a partir da comercialização, os royalties são gerados.
“Esta é uma tecnologia que fez o ciclo completo. Atende a necessidades latentes da população, teve proteção dos direitos de propriedade industrial, a transferência de tecnologia para empresa e, com isso, o equipamento foi disponibilizado para a sociedade (comercialização)”, disse Falcão. “Agora, o purificador de água começará a gerar royalties, um retorno financeiro, tanto para o pesquisador, quanto para o Inpa, e dessa forma será possível o reinvestimento em novas pesquisas, visando novas tecnologias”, comemora a coordenadora.
Indígenas
A ideia do purificador surgiu em 2005, após Vetter visitar os povos Deni e Kanamari, no rio Xeruã, afluente do rio Juruá (a dez dias de barco de Manaus-AM). O pesquisador ofereceu aos indígenas da aldeia Deni Morada Nova, sua então invenção, um secador de madeira movido à energia solar para que eles usassem para secar madeiras, folhas e até frutos e sementes. Eles agradeceram, mas o que lhes interessava de mais urgente era ter água boa para beber, água potável. Naquele ano, 11 crianças morreram de diarréia.
“Desde então, eu praticamente deixei todas as pesquisas que eu fazia na área de recursos florestais e engenharia florestal para tentar salvar vidas”, disse Vetter, que é doutor em Botânica Florestal pela Universidade de Friburgo (Alemanha) e trabalha no Inpa há mais de 30 anos.
A tecnologia é capaz de desinfectar águas contaminadas por germes de rios, lagos e igarapés, através da radiação ultravioleta tipo C, evitando as doenças ocasionadas pela ingestão de águas sujas, como diarréia e Hepatite A. O aparelho pesa 13 quilos e é capaz de purificar até 400 litrosdeáguapor hora, utilizando energia solar e bateria. A vida útil da lâmpada ultravioleta éde10 mil horas, o equivalente a três anosdeduração. Cada aparelho tem condições atender até 300 pessoas com água potável.
Por meio de uma emenda parlamentar do então senador João Pedro, o Inpa obteve recursos para montar 50 kits do purificador. Desses, 28 equipamentos já foram instalados, sendo 26 na Amazônia e dois em Nampula, na África. Os demais têm destino certo. Neste mês, uma equipe do Inpa foi a Santa Isabel do Rio Negro, onde está fazendo manutenção e capacitação dos yanomamis, povo que já recebeu 14 purificadores.
Planos
Em tempos de crise econômica e de cortes nos orçamentos para a CT&I, o pagamento de royalties, resultantes da proteção de direitos de propriedade industrial, ainda que pequeno num primeiro momento por depender da escala de comercialização do produto, pode se tornar um estímulo para outros pesquisadores inventores.
Para Roland Vetter, a porcentagem de royalties significa a aceitação de suas pesquisas na área de tecnologia social para as regiões tropicais e um impulso para continuar com as pesquisas. “Posso investir em mais recursos para melhorar a técnica ou diminuir os custos da produção ou manutenção dos equipamentos e até mesmo inventar outros produtos e modelos de utilidade para a população”, contou Vetter.
Em novembro do ano passado, uma parceria com o Exército possibilitou a adaptação do purificador para uma mochila para ser usado por militares em operações de selva.
Em junho, o pesquisador embarca para a Alemanha, onde permanecerá por um ano para fazer pós-doutorado. Ele estudará a estrutura anatômica e as aplicações tecnológicas de uma espécie de bambu, a Guadua angustifolia, espécie proveniente da Colômbia utilizada, por exemplo, na construção de moradia e contenção de erosões.
Saiba mais
Atualmente não há mais kits do purificador de águadisponível para doação, a não ser para as comunidades que já estão nessa lista elaborada previamente pelo Inpa. Caso algum órgão ou empresa se interesse, pode conhecer como a tecnologia funciona indo ao Bosque da Ciência do Inpa, onde há uma unidade demonstrativa instalada, e a aquisição pode ser feita com a empresa Q Luz Ecoenergia. O bosque fica na rua Otávio Cabral, S/Nº, Petrópolis, Manaus-AM.
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