Mulheres cientistas do Inpa fazem história no desenvolvimento da Amazônia
“A luta por melhores condições de trabalho e pela redução dos desequilíbrios regionais marcou muito minha carreira”, revela a pesquisadora do Inpa, Vera Val
Por Caroline Rocha – Ascom Inpa
Foto: Acervo Inpa
Há mais de 150 anos as mulheres foram à luta e às ruas para reivindicarem os seus direitos civis, políticos e sociais. Agora a mulher tem vez e voz ativa na sociedade. Ela pode votar, opinar, trabalhar e exercer grandes funções dentro de uma empresa, de uma organização. Na comunidade científica, as mulheres também fazem história.
Doze pesquisadoras do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) contam como é fazer parte da ciência no Brasil, em especial na Amazônia, contribuir com a conservação do maior bioma do Brasil, a Amazônia, e ainda colaborar, através da difusão do conhecimento, com uma sociedade mais desenvolvida e melhor para se viver.
O Inpa possui aproximadamente 670 servidores no quadro de servidores. Desses, 188 são pesquisadores titulares, entre os quais, 72 são pesquisadoras, que exercem também, importantes cargos no instituto.
Mundo
No mundo, as mulheres representam apenas 28% do conjunto de pesquisadores. É o que apontou o recente relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU). O número fica ainda menor quando são consideradas as posições hierárquicas mais elevadas. De acordo com o documento, as mulheres teriam menos acesso a financiamentos e cargos de destaque.
Veja o que pensam algumas pesquisadoras do Inpa:
1.Maria Inês Higuchi – Dra. em Antropologia Social
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Uma série de fatos e oportunidades foram convergentes nessa carreira. O fato de trabalhar no Inpa foi um desses fatos que auxiliaram. Tive oportunidade de me formar "pesquisadora" com o apoio institucional quando fiz doutorado e com a autonomia dada na pesquisa, fui formando um grupo de pesquisa.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
Não há um evento específico, mas muitos momentos que vão se tornando peças de um grande mosaico. Certamente, o que mais me comove é ver um jovem aluno de graduação que faz iniciação científica conosco e segue carreira e num belo dia se torna doutor, professor na universidade e se destaca no tema que a gente atua. Isso não tem preço!
Em sua opinião, quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
Atualmente é vencer as dificuldades de empregabilidade para os que se dedicam por vocação à carreira de pesquisa.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Poder ampliar o grupo de pesquisa. Que houvesse um concurso para contratação de pesquisadores para continuarem as pesquisas que me dediquei, pois dentro de poucos anos eu me aposento e temo que tudo o que alcancei possa se enfraquecer pela falta novos pesquisadores.
2.Vera Val - Dra em Biologia de Água Doce e Pesca Interior
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Minha escolha pela natureza iniciou-se por desejar ser agrônoma, mas durante o decorrer do “colegial” fui me apaixonando por biologia e acabei por cursar ciências biológicas e optei por seguir carreira acadêmica, fazendo mestrado e doutorado.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
A luta por melhores condições de trabalho e pela redução dos desequilíbrios regionais marcou muito minha carreira de pesquisadora. Hoje, o melhor resultado de minha carreira é o conjunto de profissionais que treinei ou formei ao longo de minha carreira, procurando orientar cientificamente seus trabalhos e oferecer minha experiência em ética no desenvolvimento científico e tecnológico. Mais recentemente, a supervisão de pós-doutorandos tem sido uma grata experiência tanto pelo aprendizado mútuo como pelo crescimento qualitativo que vi ocorrer ao longo dos meus trinta e cinco anos de trabalho na região.
Em sua opinião quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
Hoje, o Brasil enfrenta uma crise política e moral sem precedentes, e todos os elos sociais, econômicos e ambientais encontram-se em desequilíbrio e negativamente afetados. Com a CT&I não é diferente. Entretanto, muitas vezes, momentos de crise são indutores de criatividade e reorganização de um sistema. Seria importante que os Estados da Federação assumissem, hoje, o papel de fomentadores e indutores de uma ampla reação das comunidades científicas locais a fim de encontrar os melhores meios de manutenção e melhoria das atividades de ensino e pesquisa para que não houvesse solução de continuidade nas atividades ligadas a estas áreas.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Durante minha carreira, uma das atividades gratificantes foi a interação com crianças e jovens e a preparação de material voltado às novas gerações. Em particular, meninas, as quais necessitam de apoio e incentivo durante sua infância e adolescência para que não se sintam frustradas ou tenham baixa autoestima. Além do mais, para que as diferenças de oportunidades entre homens e mulheres desapareçam, meninas devem crescer cada vez mais autoconfiantes e ter mais chances, ainda que haja muitas mulheres na ciência. Pretendo, então, organizar meu trabalho de maneira a conciliar essa nova atividade que requer planejamento e estudo antes de mais nada. Mergulhar neste assunto será necessário pra que eu possa planejar esse novo projeto em vida e contribuir mais efetivamente para que as mulheres sejam cada vez mais respeitadas e valorizadas.
3.Cecilia Veronica Nunez - Pós-doutora em Farmacognosia
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Quando estava na 8ª série do ensino fundamental, então com 13 anos, recebi um folder de um cursinho em São Paulo, onde estavam descritas várias carreiras. Quando li que Química poderia trabalhar com pesquisa, foi que me decidi, adorei o universo das moléculas, um mundo a ser descoberto. A partir daí, fui direcionando a minha carreira para a ciência.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
Muitas coisas foram importantes. Não tem só uma. Mas, com certeza, ter entrado no Inpa foi muito importante. Aliás, ainda me considero em começo de carreira.
Em sua opinião, quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
Ter continuidade nas pesquisas. Hoje em dia, como dependemos de financiamento por meio de editais, é difícil conseguir estudos de médio e longo prazo. E não raro os planejamentos estratégicos do governo ou de instituições não são adequados às realidades de temas e desafios das ciências. É preferível ter os editais, que instauram desafios e deixam o pesquisador com liberdade e margem de manobra para o desenvolvimento da ciência.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Muitas coisas. Ainda tenho muitos anos de carreira. Espero ter a oportunidade de orientar muitos alunos, contribuir com massa crítica científica e espero ter a oportunidade de conseguir realizar estudos bastante completos sobre as plantas da região.
4. Neusa Hamada – Dra. em Entomologia
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Durante o ensino médio, em uma escola pública, tive uma excelente professora de Biologia e suas aulas me encantaram tanto que me conduziram ao mundo da pesquisa.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
O trabalho de campo, que me levou a conhecer grande parte do interior do Brasil e alguns outros países da América do Sul e as pessoas que habitam esses locais. O mais marcante é a receptividade dessas pessoas simples do interior que ainda mantem aquela brandura desinteressada e que te recebem como se você fosse da família, compartilhando o pouco que eles têm com alguém que eles acabaram de conhecer.
Em sua opinião, quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
São muitos os desafios da CT&I no Brasil, entre elas a descentralização do conhecimento que se concentra nas regiões sudeste e sul do Brasil, para onde vai a maior parte dos recursos para pesquisa do país. É necessário reduzir a distância entre o conhecimento científico produzido e a população.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Minha expectativa é continuar a trabalhar como sempre, dando o melhor de mim para ampliar o conhecimento sobre os insetos aquáticos e contribuir com a formação de novos pesquisadores que realmente estejam interessados em Ciência e, que desejam devotar sua vida para a pesquisa.
5.Hillandia Brandão da Cunha - Dra em Energia Nuclear na Agricultura
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Foi uma coisa gradativa durante a minha graduação. Na verdade, eu fiquei como monitora da disciplina de química de produtos naturais e no ano seguinte fui contratada para trabalhar no laboratório de química da universidade; desde lá fiquei cada vez mais inserida e mais interessada naquilo.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
Durante toda a minha vida acadêmica muitas pessoas passaram por mim dia após dia.Tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas que me ensinarammuito.Aprendi com cada uma deles ater um olhar mais observadorem toda e em qualquer situação,sendo, sem dúvida, maisquestionadora. Os meus primeiros passos no laboratório como monitora, até a mais importante missão que me é atribuída, são fatos marcantes na minha vida profissional.
Em sua opinião, quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
Todos os desafios enfrentados atualmente pela ciência brasileira começam com a palavra "aumentar".Na minha visão,é necessárioaumentararelevância da pesquisa realizada, o número de pesquisadores, a internacionalização e a demanda por pesquisa nas empresas. A produção científica brasileira é muito acadêmica, o que acaba por gerar poucas patentes.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Acho que não só eu, mas nós enquanto pesquisadores (as), precisamos fazer perguntas centrais e ousadas, muito importantes não só para a Amazônia, onde vivemos, não só para o Brasil, mas sim para o mundo em termos de ciência. O que ainda não se conhece, o que precisa entender e o que tem pra se explorar de novo.
6. Albertina Pimentel Lima - Dra em Ecologia
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Sempre fui curiosa e os animais e a floresta eram minhas maiores fontes de inspiração. Sempre que entrava na floresta queria entender as distribuições dos animais e plantas e sempre me perguntava por que encontrava um animal ou uma planta aqui e não lá.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
Quando descobri que podia fazer ciência de qualidade logo depois que terminei meu doutorado.
Em sua opinião quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
Conseguir contribuir com ideias que possam ser aplicadas na melhoria de vida dos moradores locais e com isso levá-los a entender que a floresta em pé é mais útil que as monoculturas.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Implementar um projeto para inclusão de moradores locais no monitoramento participativo da biodiversidade com a finalidade de uso no ecoturismo.
7. Tânia Sanaiotti - Dra em Biologia e Ciência Molecular
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Desde o ensino fundamental me interessava por conhecer a flora e fauna e mais tarde ao iniciar a graduação também passei por experiências em vários grupos taxonômicos, me dedicando às plantas e às aves. Após a graduação, seguir a carreira científica na Amazônia foi apenas trajetória do destino.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
A diversão em se fazer o que ama. Sem dúvida as experiências vividas ao longo de 30 anos em viagens de campo foram abrilhantadas com personalidades que encontrei por estes caminhos.
Em sua opinião, quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
É manter as conquistas de formação de grupos de pesquisas sérios e suas infraestruturas, pois muito se perde pela falta de continuidade dos recursos e seu uso.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Concluir os projetos de publicar "Guias de Campo" para um público maior que o científico.
8.Sonia Sena Alfaia – Dra em Ciências Agronômicas
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Eu nasci e cresci na Amazônia e desde a minha fase de estudante de agronomia na UFAM, sempre quis contribuir com a construção do conhecimento científico na área de agricultura na região. Uma região ainda bastante desconhecida e com muitas possibilidades na área de pesquisa.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
Os trabalhos que nossa equipe vem realizando nos últimos anos em parceria com comunidades tradicionais, ribeirinhos e assentados da reforma agrária. Trabalhos como esses são mais capazes de contribuir para o uso e adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis na Amazônia.
Em sua opinião, quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
Acho que o trabalho de um pesquisador deve ir muito mais além da publicação dos artigos indexados para os pares. É necessário levar os conhecimentos que estão sendo gerados nas instituições de pesquisa e universidades para uso das comunidades que precisam dessas tecnologias para melhorar sua condição de vida. Isso pode ser feito por meio de publicação de cartilhas, de realização de oficinas, de cursos de capacitação, sobre temas como criação de peixes, de abelhas, de produção de mudas e outros.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Tive a oportunidade de trabalhar alguns anos na Secretaria de Estado da Produção Rural do Amazonas e pude constatar que poderíamos ajudar mais as comunidades de produtores de nossa região. Recentemente aprovamos um projeto de capacitação de produtores dos municípios do entorno de Manaus, priorizando o uso de práticas agroecológicas de produção visando proporcionar melhorias na produção agrícola, na pós-colheita e sanidade dos produtos, assim como na renda dos agricultores.
9.Marcela Amazonas – Msc. em Ciências Florestais e Ambientais
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Escolhi esta carreira por amor. Sempre admirei pessoas que se dedicam ao estudo constante, leitura e busca por respostas por uma sociedade mais desenvolvida em todos os âmbitos, social, ambiental, econômico. A pesquisa não é para um ambiente fechado, é a para vida, é para todos.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
O mais marcante de tudo que já vivi, sem dúvida, foram os projetos que atenderam as comunidades da nossa Amazônia e que podem ser replicados em outras localidades. Esta troca de conhecimento gerado pela pesquisa com o conhecimento tradicional causa uma fusão fantástica.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Sonho com a conclusão do filtro de tucumã, sonho ver comunidades, bairros carentes de água potável tendo cooperativas sociais e usando o tucumã não apenas como um delicioso fruto, mas o seu resíduo a gerar produto. E depois, que venham mais desafios. Que cheguem mais alunos para serem orientados. Repassar o conhecimento de um laboratório é torná-lo vivo. Eu amo o que faço!
10.Marina Anciães - Dra em Ecologia e Biologia Evolucionária
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Sempre gostei de "questionar", investigar, desde criança.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
A observação do comportamento complexo das aves e suas cores e a interação com alunos.
Em sua opinião, quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
Mais estrutura institucional e governamental para podermos conduzir pesquisa sem nos ocuparmos de questões administrativas e acesso à informação.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Boa parte das pesquisas em andamento e as que virão como consequência. Mais expedições científicas e campo com alunos.
11.Maria de Fátima Nowak - Dra em Ciências Biológicas
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
Na realidade eu não escolhi a carreira científica. Eu escolhi ser bióloga, pois tem mais a ver com minha origem. Sou Mineira e como uma pessoa que veio do campo, do interior, as coisas que tinham relação com biologia, eu olhava e achava fácil. A carreira científica foi consequência dessa relação que surgiu.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
Não teve assim um fato tão marcante em si, mas o que mais me chamou atenção foi poder participar do meio científico. Estar no ambiente onde as pessoas pensam e fazem ciência, me deixou apaixonada pelas grandes causas e grandes ideias que surgem nos debates da comunidade científica. Isso me fascina até hoje.
Em sua opinião, quais os principais desafios da CT&I no Brasil?
O grande desafio ainda está na inserção da CT&I na educação básica Acredito que para transformar o modo científico de pensar das pessoas, temos que estreitar essa distância que existe entre os pesquisadores que são muito conhecidos e essa geração de novos cientistas que estão surgindo, principalmente no âmbito escolar através de projetos como o Programa Ciência na Escola (PCE).
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
A cada novo desafio conquistado, naturalmente surge outro em seguida. Esse é o fluxo natural da vida. Mas, uma das minhas grandes preocupações diz respeito à mulher cientista. Sabemos que é meio problemático para nós às vezes conciliar essa questão de maternidade e vida de cientista, e já existe uma corrente que debate sobre essas dificuldades do gênero feminino. Isso eu gostaria de ver mais amplamente divulgado e discutido no mundo científico.
12. Elisiana Pereira de Oliveira - Dra em Ecologia de Invertebrados Terrestres
Por que a senhora escolheu a carreira científica?
A minha entrada na carreira cientifica não foi planejada e nem sonhada. Tudo aconteceu ao acaso. Depois de não passar no vestibular em Biblioteconomia, em Belém (PA), eu consegui, através de uma carta de recomendação, uma vaga na Antropologia, onde fazia catalogação de material indígena. Em 1966 conheci o Dr. Roger Pierre Hypolite Arlé, que era pesquisador da Entomologia para onde fui transferida e então comecei a me interessar por pesquisa.
O que mais marcou a sua vida na ciência?
Foram muitas marcas. Mas a melhor delas foi ter sido homenageada com a Menção Honrosa Rio Negro em 2014, na gestão do diretor do Inpa, Luis Adalberto Val, e ter recebido a medalha das mãos do recém-empossado diretor, Luiz Renato de França.
Em sua opinião, quais os principais desafios de CT&I no Brasil?
A vida já é um verdadeiro desafio e eles são numerosos. Na CT&I não há um único foco, mas para cada pessoa existe um foco e não se pode distanciar dele. Existem muitas escolhas e este é o principal desafio, saber qual direção seguir. E hoje a competição é o verdadeiro desafio dentro da CT&I no Brasil.
Na sua vida, o que a senhora ainda gostaria de realizar?
Hoje, aos 76 anos, já tenho o meu lugar ao sol garantido. Mas eu gostaria ainda de poder usufruir do meu espaço no instituto para continuar trabalhando com Collembola e com as aranhas. O que quero também é poder compartilhar o que aprendi em toda a minha vida com quem precisa, seja adulto, criança ou adolescente.
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