Plantas dos quintais em terras pretas de índio da atualidade são heranças dos povos pré-colombianos
Artigo de pesquisadores do Inpa e instituições parceiras publicado na PLoS ONE mostrou que as variáveis o tempo de ocupação da terra preta pelos índios e há quanto tempo ela foi abandonada influenciaram na diversidade de plantas nos quintais do presente
Por Luciete Pedrosa – Ascom Inpa
Foto: Juliana Lins – Acervo bolsista PCI do Inpa
As plantas que brotam espontaneamente nos quintais de terras pretas de índio têm ligação direta com o passado indígena de antes da chegada dos europeus à Amazônia. Este é o resultado de um trabalho realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), em comunidades do município de Silves (a 204 quilômetros de Manaus), às margens do rio Urubu, publicado recentemente revista científica especializada PLoS ONE.
A pesquisa tem como base a dissertação de mestrado em Botânica no INPA de Juliana Lins, orientada pelo pesquisador do Inpa Charles Clement, intitulada Terra Preta de Índio e as populações do presente: a herança que chega até o quintal. Realizado em 40 quintais de terras pretas de cinco comunidades de Silves, o artigo mostrou que o contexto arqueológico dos quintais sobre terras pretas de índio influencia a composição florística atual. “Queríamos saber se parte das plantas que estão nos quintais do presente, em uma área de sítio arqueológico, estão ali porque os índios já estavam naquele local antes dos europeus chegarem”, conta Lins.
O trabalho de pesquisa foi realizado em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam) e do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG).
As terras pretas de índio são solos antropogênicos (aqueles que sofreram ação do homem) que foram construídos pelos povos indígenas, principalmente, entre 2500 a 500 anos antes do presente, a partir de depósitos de restos de animais, vegetais e cerâmicas em volta de suas moradias. Sãocaracterizadas por manchas escuras sobre o solo original chegando a ter dois metros de profundidade numa área de até 200 hectares (equivalente a 200 campos de futebol) e são mais férteis que solos típicos da Amazônia. As terras pretas são ricas em Cálcio (Ca), Fósforo (P), Potássio (K), Zinco (Zn) e Manganês (Mn).
Segundo a atual bolsista do Programa de Capacitação Institucional do INPA (PCI), a pesquisa constatou que as plantas dos quintais do presente estão estruturadas de acordo com o contexto do sítio arqueológico em que a terra preta está localizada, e os quintais estudados estão sobre dois tipos diferentes de ocupação indígena pré-colombiana naquelas comunidades.
“O conjunto de quintais em contextos arqueológicos que foi abandonado pelos índios mais recentemente (300 anos atrás) possui mais diversidade β em comparação com o conjunto de quintais que foram abandonados pelos índios há mil anos. A diversidade α de um quintal não é suficiente para dizer se tem uma influencia do passado ou não, mas a diversidade β no conjunto permite isto,” explica Lins.
Para Lins, existem duas variáveis que possivelmente influenciaram essa diversidade de plantas nos quintais do presente: o tempo de ocupação da terra preta pelos índios e há quanto tempo foi abandonada. “Terras Pretas com maior tempo de ocupação indígena pré-colombiana e abandonadas mais recentemente eram as que tinham os quintais mais dinâmicos e diferentes entre si atualmente”, explica.
De acordo com a bolsista, isso significa que as pessoas que moram nos quintais de hoje interagem com esse passado arqueológico, porque as plantas do passado estão ali nos bancos de sementes e brotam nos quintais. Como as pessoas de hoje conhecem essas plantas e as manejam isso facilita a existência delas. “Porque essas mesmas plantas são úteis para elas (pessoas) que as mantêm ali, senão as arrancariam e jogariam fora”, completa.
Ainda segundo Lins, o conhecimento das pessoas do presente dialoga com o conhecimento do passado, e isso também faz com que os quintais do presente tenham uma relação com o passado arqueológico pré-colombiano.
Dinâmica da floresta
Uma das hipóteses levantada por Lins para explicar como essas sementes conseguiram se manter no local onde estavam há 300 ou 400 anos é a dinâmica da floresta, que rebrota com o abandono das áreas após o colapso das populações pré-colombianas. Com a queda natural de árvores, acontece a abertura de clareiras temporárias e essas plantas úteis de quintais adaptadas ao sol podem rebrotar e ficar naquele local por um tempo. “Como a floresta está em constante movimento pode voltar a brotar as plantas de quintal novamente”, diz.
“Na verdade, não dá para saber quais, de todas as plantas nativas da Amazônia nesses quintais, são as descendentes diretas das plantas dos índios que estavam ali há 300 ou 400 anos, mas temos algumas pistas pelas plantas que sempre nascem espontaneamente nas terras pretas sem ninguém do presente ter plantado, tais como chicória, vários tipos de ingás, mamão, cupuaçu, mucura-caá, e pode acontecer até com mandioca e macaxeira”, explicaLins.
De acordo com o pesquisador do Inpa, Charles Clement, os pesquisadores que realizaram este trabalho fazem parte de uma abordagem antropológica chamada de Ecologia Histórica, que defende alguns pressupostos, dentre eles o de que o ser humano interferiu em todos os ambientes habitáveis da Terra.
Para o pesquisador, um dos corolários é que não existe uma tendência natural em aumentar ou diminuir a biodiversidade quando o ser humano está no local; isto depende da cultura no qual está inserido e do local da paisagem em que se encontre. “Segue que a Amazônia não é uma floresta virgem e já foi mexida pelos povos indígenas, mas não sabemos o quanto em qualquer hectare até estudar com mais atenção”, diz Clement.
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