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Adapta: uma epopéia genômica

  • Publicado: Segunda, 02 de Fevereiro de 2009, 00h00
  • Última atualização em Sexta, 12 de Junho de 2015, 10h17

 

Portal Amazônia

Por Mário Bentes, no Portal AmazôniaPeixes como o tamoatá ou tamboatá (Hoplosternum littorale), espécie típica do Norte do Brasil, têm a capacidade de resistir simultaneamente a rios poluídos por coliformes fecais e a baixíssimos níveis de oxigênio e presença elevada de fungos, gás metano e até ácido sulfídrico.Ele não é o único. Outras espécies da biota aquática, como peixes, invertebrados, mamíferos e microorganismos, são capazes de lidar com ambientes diferentes e hostis, sejam eles naturais ou modificados pelo homem.Mas como essa resistência “natural” se dá? Qual o “elemento X” que propicia esse mecanismo biológico de defesa e de adaptação ao ambiente modificado? E mais importante: Esse mesmo elemento pode ser usado em benefício do homem?O mapa da minaSegundo o biólogo Adalberto Luis Val, pesquisador-chefe do recém aprovado Centro de Estudos da Adaptação da Biota Aquática da Amazônia (ADAPTA), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a resposta para tudo isso pode estar no DNA dessas espécies.– Todos os indivíduos têm um vasto conjunto de informações genéticas em seu DNA, mas não são todas as informações genéticas contidas no DNA que se expressam de forma evidente ao longo de suas vidas – afirma.Dessa forma, ao contrário das informações responsáveis pelos traços quantitativos dos indivíduos (cor dos olhos, pele e tipo de cabelo, no caso do homem), esse segundo grupo ainda não identificado de informações pode ser aquele usado apenas “em casos de emergências ambientais”.– A produção de características, novas ou não, nos indivíduos é resultado das expressões do genoma em dado momento de suas vidas – explica Val, referindo-se ao fato de que a resistência de alguns exemplares da biota aquática a condições extremas do ambiente pode estar justamente associada a uma manifestação ainda oculta do DNA.Essa “manifestação”, segundo ele, pode acontecer com a produção de uma proteína, uma enzima, um muco ou qualquer outra nova substância resultante de uma reação química no organismo dessas espécies. E foi com o objetivo de identificar o ponto de partida dessas “alterações” – e suas possíveis potencialidades – que surgiu o projeto ADAPTA.O projetoCom recursos na ordem de R$ 9 milhões, obtidos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Amazonas (Fapeam), com a participação de mais de 100 doutores da comunidade científica nacional e internacional, e com a recomendação de avaliadores do exterior, o ADAPTA vai permitir que os cientistas possam iniciar uma longa busca por informações no DNA de espécies aquáticas da região amazônica.De acordo com Val, que também ocupa o cargo de diretor geral do INPA, a pesquisa tem duração de cinco anos e vai atuar em três frentes. A primeira delas consiste na identificação

de todas as diferentes espécies capazes de enfrentar uma mesma situação adversa e, em seguida, detectar o que essas diferentes espécies têm em comum em nível genético.– Na represa da hidrelétrica de Balbina, por exemplo, existe uma infinidade de espécies de peixes, plantas e microorganismos capazes de resistir à presença do metano e do ácido sulfídrico na água, assim como o baixo nível de oxigênio – afirma.Outros exemplos dados pelo cientista são as áreas de mineração, que contam com a presença de metais pesados, como mercúrio (usado na purificação do ouro), de exploração de petróleo, e o entorno das cidades, que também impõe sérias dificuldades de sobrevivência à fauna aquática em virtude da ausência, em muitos casos, de tratamento adequado de esgoto.Da mesma forma, a pesquisa vai mapear os locais tidos como “hostis” à sobrevivência aquática e identificar as espécies capazes de resistir a todas elas ao mesmo tempo.Cerco ao problemaComo segunda frente de atuação, o ADAPTA também vai levar em consideração as dificuldades impostas naturalmente aos indivíduos. Como exemplo, o biólogo cita o caso do jaraqui (Semaprochilodus taeniurus e S. insignis), outro peixe comum da região, que costuma transitar periodicamente nas águas dos rios Solimões e Negro.– O Solimões tem pH próximo à neutralidade, alta quantidade de material orgânico em suspensão e boas quantidades de sais, enquanto o Negro tem pH ácido e baixas quantidades de sais, a ponto de sua composição ser similar a da água destilada – explica o cientista.Microcosmos

A terceira e última frente de atuação são os “ambientes experimentais” (criados em laboratório), ou, como prefere dizer Val, os chamados “microcosmos”.– Nós vamos submeter diferentes espécies a determinadas condições de ambiente e analisar sua constituição genética. Após um ano, vamos alterar essas condições, principalmente a temperatura e os níveis de CO2, e avaliar quais espécies resistirão – explica.Para ele, esse cenário poderá detectar precisamente as informações do DNA que se manifestaram e quais as novas substâncias produzidas para que as espécies pudessem ser capazes de se adaptar e, conseqüentemente, sobreviver à nova situação.Banco de dados genético

Todas as informações coletadas serão registradas em um banco de dados, que será dividido segundo o nível de refinamento das informações. A primeira parte (BD I) vai guardar os dados referentes às adaptações biológicas e às interações dos organismos com seus ambientes, assim como as etapas de seqüenciamento dos genes.– O BD I vai me dizer quem são os organismos comuns que conseguiram sobreviver ao microcosmos (aumento de temperatura e CO2) e os que conseguem sobreviver simultaneamente às áreas de mineração, poluição urbana e usinas hidrelétricas – detalha Val.Já a segunda parte do banco (BD II) vai guardar os resultados do trabalho de cruzamento entre os dados armazenados no BD I e os dados existentes na literatura universal sobre seqüenciamento genético de espécies e as atribuições catalogadas de cada trecho do DNA.Bioinformática

O cruzamento de informações será realizado com o uso de um laboratório de bioinformática que deve ser instalado no Inpa já para este projeto. Ele vai usar informações de seqüenciamento genético obtidas com uma inovação na região Norte do país: o sistema Solid, que segundo Val, é capaz de mapear e seqüenciar uma cadeia de DNA dez vezes mais rápido que os sistemas atuais existentes no Inpa.A última parte do banco (BD III), também capitaneada pelo laboratório de bioinformática, será responsável pelo armazenamento de informações sobre as funcionalidades de cada novo gene mapeado que se manifestou de acordo com as mudanças de ambiente.– Nessa etapa, o banco vai nos dizer quais as funções de uma enzima, de uma proteína ou de qualquer outra substância. Isso vai otimizar a pesquisa, já que não necessitaremos pesquisar sobre o que já foi pesquisado – esclarece.A etapa final do projeto é a chamada “linha de produção” (ver infográfico abaixo), onde as novas substâncias detectadas serão trabalhadas em laboratório de modo a serem produzidas em larga escala.Fé na possibilidade do progresso

O ADAPTA, um dos quatro projetos do Inpa aprovados pelo Governo Federal, tem duração inicial prevista em cinco anos, mas seus resultados serão avaliados após três anos. Caso o MCT veja relevância nos resultados, o projeto prossegue por mais dois anos.Com o projeto, Val espera que o Inpa descubra novos produtos úteis ao homem, como medicamentos. Sobre a possibilidade de êxito, o pesquisador sorri e cita o trecho de um dos muitos livros da biblioteca de sua sala no Inpa: “Pesquisa é uma expressão de fé na possibilidade do progresso”.

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