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Entrevista com o biólogo Aureo Banhos, do Inpa

  • Publicado: Domingo, 24 de Janeiro de 2010, 20h00
  • Última atualização em Quarta, 13 de Maio de 2015, 10h17

 

Ascom Inpa

Entrevista completa com o biólogo Aureo Banhos, egresso do Programa de Pós-graduação em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva do Inpa:

Qual é a diferença genética entre o gavião-real da Amazônia e de outras regiões do país?


AB - No Brasil o gavião-real ocorre predominantemente na Amazônia e Mata Atlântica. Em minha tese de doutorado nós comparamos e avaliamos a distribuição da variabilidade genética do gavião-real nesses dois biomas. Não encontramos diferença genética populacional significativa entre o gavião-real dessas duas áreas utilizando marcadores microssatélites de DNA nuclear, que são marcadores moleculares de herança paterna e materna. Entretanto, encontramos diferença utilizando o controle do DNA mitocondrial, que é um marcador de herança predominantemente materna.

Como explicar essa diferença?

AB – Os resultados distintos podem ser explicados pelo maior fluxo gênico dos machos da espécie, mas ainda investigamos outros aspectos do comportamento da ave antes de qualquer conclusão.

Existe Harpia no nordeste do Brasil?

AB - No nordeste, somente Bahia (Mata Atlântica) e Maranhão (Amazônia) possuem registro de harpia. Poucos exemplares dela nesses Estados puderam ser amostrados, mas ainda assim observamos que Maranhão, leste da Amazônia, é uma porta para o fluxo gênico do gavião-real da Amazônia para a Mata Atlântica. Sendo assim, o leste da Amazônia e o norte da Mata Atlântica são duas áreas importantes para conservação da diversidade genética e manutenção do fluxo gênico do gavião-real no Brasil.

A retirada da floresta, ou seja, a modificação do habitat natural interfere na formação genética da ave, há perda genética?

AB - Analisamos e comparamos amostras dos períodos de 1911 a 1953 e 1963 a 2008 da Mata Atlântica e percebemos que os exemplares do período mais recente tem cerca de 22% menos diversidade genética. Também comparamos uma amostragem recente (de 2000 a 2008) da região de melhores condições de floresta da Amazônia brasileira e do arco do desmatamento e descobrimos que as aves que vivem na área do arco do desmatamento possuem 20% menos diversidade genética. O gavião-real é uma espécie de floresta que nidifica (fixação de ninhos) em árvores emergentes se alimentando de macacos, preguiças e outras presas arborícolas. É possível que a perda de habitat seja o fator principal da baixa diversidade genética. A teoria da genética de populações e conservação prediz que as populações que perdem habitat, tornando-se fragmentadas e isoladas, possuem diversidade genética reduzida, pois esse cenário aumenta as chances de cruzamentos entre indivíduos aparentados e de mudanças na composição e freqüência gênica.

É possível identificar essa relação entre o gavião-real da Amazônia e de outras áreas?

AB - Para o Brasil nosso estudo sugere que temos uma única população de gavião-real com cruzamento ao acaso, mas que guardam composição genética de origem materna (DNA mitocondrial) um pouco diferenciada entre a Amazônia e a Mata Atlântica. O gavião-real possui uma distribuição que abarca a Amazônia não brasileira e a América Central, regiões não incluídas no estudo. Recentemente foi publicado um interessante artigo sobre a distribuição da variabilidade genética do gavião-real fora do Brasil por outro grupo de pesquisadores -, intitulado “It''''''''s not too Late for the Harpy Eagle (Harpia harpyja): High Levels Of Genetic Diversity and Differentiation Can Fuel Conservation Programs”. Contudo, o artigo utiliza apenas marcador de DNA mitocondrial, 66 amostras e somente três amostras do Brasil, país que cobre aproximadamente 60% da distribuição do gavião-real. Estamos trabalhando para publicar nossos resultados, o que vai permitir comparar com o desse artigo.

Como foi o processo de identificação genética?

AB – Amostramos e analisamos mais de 160 exemplares de gavião-real, algo extensivo para uma espécie rara. Isso só foi possível graças às coleções zoológicas e criadouros brasileiros. As demais informações foram obtidas da natureza, graças ao Programa para a Conservação do Gavião-real no Brasil (Leia matéria na 3ª edição da Revista Ciência para todos), um projeto do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) coordenado pela doutora em Biologia e Ciência Molecular Tânia Sanaiotti. O Programa possui mais 60 ninhos mapeados no Brasil e recebe indivíduos da espécie acidentados ou muitas vezes mortos vítimas da ação indiscriminada do homem. Em geral, as amostras utilizadas foram penas. Menos invasivas, as penas puderam ser coletadas no ninho ativo ou dentro do viveiro caídas no chão. Desse material é possível obter o DNA, entretanto o material possui baixa qualidade devido à degradação, principalmente quando obtido dos exemplares de museus. Muitos cuidados foram necessários para evitar contaminação e erros, o processo de extração de DNA, genotipagem e sequenciamento foi repetido várias vezes. Esse trabalho levou quatro anos na bancada do Laboratório de Evolução e Genética Animal da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), sob a coordenação e orientação da professora Izeni Pires Farias.

De maneira geral, qual é o resultado do estudo e como está a situação do gavião-real na lista de animais ameaçados?

AB - O resultado que considero mais relevante para a conservação veio antes da análise genética, na qual para levantar as hipóteses tivemos que avaliar o estado atual e histórico da distribuição do gavião-real no Brasil. Esses dados, que faltavam ser levantados e compilados, são muito relevantes para a avaliação do estado de conservação dessa espécie. Com isso, podemos notar que a espécie perdeu mais 30% de sua distribuição no Brasil nos últimos 50 anos em função da perda de floresta. Isso representa muito para uma espécie com taxa reprodutiva baixa e tempo de geração alto, possivelmente mais alto que 15 anos. Nesses 50 anos, três ou duas gerações do gavião-real devem ter se passado com intensa perda de habitat e possivelmente uma redução populacional tangendo a taxa da perda de habitat em função do seu comportamento dependente de floresta e a uma baixa taxa de recrutamento.

Então a ave permanece na Lista Nacional de Animais Ameaçados de extinção?

AB - Com essas informações e considerando os critérios adotados atualmente para classificar o estado de conservação das espécies, nós acreditamos que gavião-real seja uma espécie ameaçada. Na última avaliação, em 2003, o gavião-real foi retirado da Lista Nacional de Espécies Ameaçadas, gerando bastante polêmica. Esperamos que os dados que levantamos e compilamos agora ajudem a espécie a ter uma avaliação mais adequada em breve, o que poderá conferir uma proteção maior. Os resultados das análises genéticas também podem ajudar na elaboração de estratégias de conservação do gavião-real, principalmente envolvendo a preservação de sua diversidade genética e manutenção de seu fluxo gênico entre as duas grandes regiões florestais do Brasil, uma vez que a redução da diversidade genética pode reduzir em curto prazo a sobrevivência e a taxa reprodutiva, e em longo prazo o seu potencial evolutivo.

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